Desligo a TV como quem fecha um livro de histórias.
Acabou-se, a princesa morreu. E a tela escurece engolindo o carro florido,
deslocando-se lentamente como um jardim móvel. No centro desse canteiro,
acompanhada por milhões de olhos perplexos, jaz fenecida a rosa da Inglaterra. Ela eclodiu, como é próprio das rosas, deu o
seu breve recado ao mundo e logo, logo se desfez.
Esse foi um conto às avessas, rigorosamente modelado
pela vida real: o príncipe e a princesa não terminaram juntos (em verdade, já
se tinham separado havia muito tempo) e nem sequer houve um beijo de despedida. Foi
sobretudo a história de um tempo em que reis, rainhas, príncipes e princesas já
não sabem como representar o seu papel. Ou talvez já não tenham, mesmo,
qualquer papel a desempenhar.
A moça era branca, loura e parecia uma princesa de
verdade – quero dizer: uma genuína princesa de mentira. Pois a autenticidade
das princesas se pauta em referências imaginárias. Elas são tanto mais
verdadeiras quanto mais correspondem à imagem dos nossos sonhos. Com a sua
timidez charmosa e o seu ar grave e medroso, Diana evocava uma dessas figuras
que maravilharam a nossa infância. Tinha um ar maternal e preceptor, um ar de
quem nasceu para guiar com ternura. Do seu todo frágil, emanava uma espécie de
fortaleza compassiva.
Além do mais, parecia ter feito o percurso oposto ao
de Cinderela. Pois a heroína da história era só, e rejeitada, antes de se casar
com o príncipe. Com Diana aconteceu o contrário: depois de se casar com Charles
é que se sentiu rejeitada e traída. Pode-se dizer que a corte, com seu fausto
frio e suas megeras centenárias, foi verdadeiramente o seu borralho. E se ela
recebeu vinte e seis milhões de dólares pelo divórcio, é certo que não saiu do
casamento menos amargurada e menos só.
O mundo todo, ao longo de uma década e meia,
acompanhou o seu drama. Para enfrentar a realeza, a moça elegeu um aliado
imponderável, múltiplo e exigente: a opinião pública. Seu confessionário e seu
divã eram as páginas dos jornais e as câmeras de televisão. Daí que ficamos conhecendo
em detalhes os lances da sua vida. Primeiro foi a indiferença e a traição de
Charles, depois vieram o divórcio e as tentativas de um novo relacionamento –
passando pela anorexia e pela bulimia.
Estarrecido, o mundo percebeu um dia que a princesa
não tinha fome. Ou, se comia, lançava tudo fora, e definhava. O mundo percebeu
essas reações e se compadeceu; a falta de fome e a rejeição ao alimento eram
efeito da tristeza e da solidão. Então perdoou, com fascinada cumplicidade, a
confissão de adultério. Poucas vezes um adultério foi tão compreendido e,
intimamente, tão festejado. O marido e a família do marido mereciam. Diana não
fizera mais do que dar o troco.
Ela queria apenas ser rainha no coração do povo, mas
não escapava também de ser outra coisa: mãe do possível futuro rei da
Inglaterra. O seu grande desafio era harmonizar essa condição com a liberdade
mundana, que aparentemente ganhou ao se separar do príncipe. Por mais que não
quisesse, no entanto, a sombra indireta do trono a detinha, limitava-a, pendia
sobre a sua cabeça como uma guilhotina azul. Penso que essa ambiguidade a
matou. Diana não era uma mulher livre, e quis se comportar como tal. Enquanto
estivesse presa ao trono pela expectativa de ser mãe de um futuro rei, jamais
poderia namorar e ter casos como uma pessoa qualquer. E morreu fugindo da fama.
Ou de uma possível má fama.
Ninguém defende, é claro, a fúria daqueles paparazzi. Mas eles foram meros
instrumentos, mediadores inescrupulosos entre a princesa e o seu público, que
tanto a compreendia quanto a devorava. E se Diana morreu da popularidade (ou
com medo dela), se foi consumida pela própria fama, resta saber que destino
terá o seu exemplo ou, mais propriamente, a sua imagem. Como ela será
trabalhada, isso é um mistério. O certo é que a realeza a teme. Por isso não
permitiu que lhe vissem a derradeira face. Nada propiciaria mais a divinização,
ou o delírio fanático, do que o rosto exangue da morta.
Preferiram enterrá-la muda. Sem rosto e sem auréola.
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