quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Caso sério

-- Pai, urge que o senhor aumente a minha mesada.
-- “Urge”?!  O que é isso?
-- A professora de redação ensinou que a gente deve dizer “urge”. Tem mais força do que “é preciso”, “é necessário”. Parece, tipo assim, o rugido de uma fera. URRRGEEE!
-- Calma, tudo bem. Não precisa me morder. E pra que é que você quer mais dinheiro?
-- Vou fazer o Enem, não vou?  Preciso ler, me informar. Destarte...
-- “Destarte”?
-- Sim. Destarte, dessarte... A professora falou que é melhor do que “então”, “logo”, “diante disso”. Ela quer que a gente arrase na prova. E quer, outrossim, um pouco de fama para ela também, claro.
-- “Outrossim”?
-- O senhor não conhecia?
-- Não. Conhecia “outro não”. Era o que eu ouvia de sua mãe toda vez que lhe pedia um beijo. Ela dizia: “Outro não, Valfredo. Por hoje basta.”.
-- Ah, pai, o senhor é mesmo ignorante. Não é “outro sim”; é “outrossim”, entendeu?
-- Não estou vendo diferença, mas entendi. O contrário, então, deve ser “o mesmo sim”. E não outro!
-- Caramba, pai! Achei massa essa história do beijo. Então ela lhe dava um fora... Que sádica! E o senhor, entrementes, o que fazia?
-- “Entrementes”? Deixe eu ver... Primeiro preciso saber o que é “entrementes”. É alguma coisa como “escorraçado”?
-- Nada a ver. Significa “nesse espaço de tempo”.
-- E por que você não falou isso?
-- Porque a professora disse que “entrementes” impressiona mais. 
-- Nesse caso, pode entrementar à vontade. O importante é que você arrase na redação.
-- Esse é meu desiderato.
-- Como?
-- Desiderato, objetivo, pô! Também o senhor não saca nada da língua portuguesa!
-- Desculpe, ando meio desatualizado. Embora, aqui pra nós, esses termos que você está usando sejam um tanto serôdios.
-- “Ser” o quê?
-- Serôdios! Sua professora não mandou você usar essa palavra no lugar de “antigos”? Se ela ainda não fez isso, vai fazer. Com certeza.
-- Epa! Nada de “com certeza”. É “indubitavelmente”. E sabe de uma coisa? É mister que eu não converse mais com o senhor.
-- “Mister”?!
-- Isso mesmo. E não fale mais da minha professora, viu?
Não quero ouvir. Se fizer isso, que seja à sorrelfa.  
-- “Sorrelfa”!? Essa também veio da professora?
-- Negativo. É contribuição minha mesmo. Pesquei no dicionário para fazer uma surpresa a ela.  
-- “Sorrelfa”... Socorro, Alaíde! Vem cá ouvir teu filho. Alguma coisa muito séria está acontecendo com ele!

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O poder da frase