Um dos temas do filme de Woody Allen é o
teatro – mais precisamente o teatro grego e alguns de seus rebentos modernos. A
dimensão trágica está representada pela personagem Ginny (magnificamente interpretada
por Kate Winslet), que se debate entre o desejo e a culpa, e cujas escolhas vão
determinar o destino de várias pessoas ao seu redor.
Ginny vive com Humpty (Jim Belushi), funcionário
de um carrossel num parque de diversões. Ele é um ex-alcoólatra pouco refinado e,
por sua fragilidade emocional, está sempre na iminência de retornar ao vício. O
que lhe dá um precário equilíbrio é Ginny (que se ligou a ele depois de trair o
primeiro marido) e a filha Carolina (Juno Temple), que havia rompido com o pai
por este não aceitar o seu casamento com um mafioso mas acaba se reconciliando
com ele. A moça está ameaçada de morte justamente por ter se decepcionado com o
gângster e revelado à polícia algumas das suas tramoias.
Ginny vive insatisfeita com o novo casamento
(a imagem do carrossel, homóloga à da própria roda gigante, é um símbolo de monotonia
e repetitividade na vida conjugal). Ela tem um caso com Mickey (Justin
Timberlake), que trabalha como salva-vidas na praia. Mickey por sinal é quem
narra a história, desempenhando a função exercida na tragédia grega pelo coro. Escritor,
ele sonha um dia ser famoso escrevendo grandes peças teatrais. A identificação
com o teatro (além da juventude e da beleza dela, claro) leva-o a se aproximar
de Carolina. Os dois se apaixonam, e Carolina faz confidências sobre isso a Ginny,
que a partir de então disputa com a enteada (sem esta saber) o amor do mesmo
homem.
Os diálogos do filme não têm uma das
marcas de Woody Allen, que são as tiradas de humor, mas elas não fazem falta. A
trama engenhosamente urdida deixa o espectador em suspenso do início ao fim.
Sublinha a tensão narrativa o apelo a símbolos como o da roda gigante – imagem
nietzschiana do eterno retorno – e o do fogo, um clássico símbolo de
destruição. Ele aparece na pirotecnia de Richie (Jack Gore), filho do primeiro casamento
de Ginny e cujo pai se suicidara ao tomar conhecimento da traição da mulher.
Na sequência final, o filme incorpora explicitamente
a inspiração dramatúrgica. Vestida com um figurino apropriado, e assumindo uma
postura tipicamente teatral, Ginnny desfia um solilóquio shakespeariano no qual
está presente, inclusive, a figura do Fantasma. Só que o Fantasma que a
assombra não é o de um morto, como em Hamlet, mas o de Mickey, cujas revelações
alimentam a sua culpa.
É comum dizer que um Woody Allen regular
é melhor do que muitos filmes bons de outros diretores. “Roda Gigante”, que
lembra “Match Point” pelo dilema ético, é um Woody Allen dos bons. Nele o autor
deixa de lado a exposição das neuroses de determinados estratos sociais
(sobretudo a classe média alta) e mergulha nas profundezas da alma humana –
naquele sombrio recesso em que a luta com Ananke (o inexorável Destino) pode
revelar a nossa grandeza ou a nossa abjeção.
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