Antes
que me perguntem (ou, pior, que comecem a fazer suposições), informo que chego
hoje aos 68 (espero que seja um ano que termine). É uma dessas idades em que a gente
começa a passar a vida a limpo – embora jamais edite a versão final; isso quem
faz são os outros. Uma das injustiças da morte é impedir que nos defendamos do que
vão dizer de nós. Tratemos então de fazer nossa defesa enquanto estivermos
vivos.
Datas
como essa tendem a nos tornar filosóficos, meditativos. As pessoas esperam que
digamos coisas verdadeiras ou sublimes sobre a vida. Acham, um tanto
ingenuamente, que a experiência de outros irá servir para elas. Não servirão. A
verdade é sempre de cada um, e cada um a constrói de acordo com a sua natureza,
seus desejos e suas propensões.
Viver é
bom? A pergunta não deve ser esta, e sim: viver é uma dádiva ou um ofício? Não
adianta perguntar por que estamos aqui, pois para isso não existe resposta. A
vida é uma contingência, de certo modo uma imposição, e cabe ao ser humano
aceitá-la.
O que
chamam de felicidade depende de fatores objetivos e subjetivos. Para uns é
naturalmente mais difícil ser feliz (equipamento genético conta). Mas, assim
como há o determinismo, há também a liberdade que a consciência propicia. O que
se chama destino é fruto de uma parceria entre o nosso determinismo (genética,
local de nascimento, ambiente) e a nossa configuração pessoal. Existe, sim, uma
ponta de responsabilidade pessoal em nosso destino, assim como nossas escolhas
aparentemente livres encontram obstáculos em forças que estão além de nós.
A
questão não é se viver vale a pena, mas sim quanto de pena você pode evitar ao
viver. A idade pesa menos do que a gente imaginava quando era jovem (desde que não
se engorde muito, claro). É preciso aceitar a idade que se tem. Não há nada
mais grotesco (e doloroso) do que lamentar o corpo que já não se possui, as
possibilidades físicas que foram se perdendo com o tempo. Não se pode negar que
tudo isso é duro, mas não devemos agravar o quadro com nossas lamentações. O
ser humano se diz inteligente, mas tem um enorme despreparo para entender
coisas essenciais – como, por exemplo, a sua origem natural.
Desconhecer
a natureza (da qual fazemos parte) e as suas leis (que de algum modo regram
nosso comportamento) é uma das maiores fontes da nossa miséria. Faz com que,
por exemplo, tenhamos dificuldade de aceitar a morte – como se vida e morte não
representassem diferentes estágios de um mesmo processo.
Nada
contra sonhar com o Além, desde que nisso não penetrem o engodo, a contrafação,
o escamoteamento da verdade (não faltam oportunistas dispostos a nos manipular nesse
nebuloso domínio a que chamam de sobrenatural). A razão será sempre o farol; e
a ciência, sua filha, é de quem a gente pode esperar meios para curar doenças e
viver melhor. Isso não vai de encontro à crença que a pessoa, por hábito ou
necessidade, resolva adotar. Não há por que abdicar daquilo que psicologicamente
nos fortalece. A solidão do ateu, só Deus sabe.
Mas
para que tudo isso numa data como hoje? E o bolo, e os parabéns, e as velas
para apagar? O tempo nos faz menos entusiasmados com esse tipo de comemoração.
Já foram tantas... Mas sempre há uma sensação de triunfo, uma enorme gratidão às
pessoas e às circunstâncias que concorreram para que atingíssemos esse marco. O
sucesso de uma vida não se mede pelos anos, mas a longevidade supõe alguns louváveis
requisitos – entre eles a paciência, a tolerância, o senso de humor. O humor é sempre
uma vitória sobre o desespero. Será em grande parte graças a ele que no próximo
ano vou fazer 69 (sem piadas, por favor!)
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