segunda-feira, 22 de abril de 2019

68 anos - um marco e algumas marcas


Antes que me perguntem (ou, pior, que comecem a fazer suposições), informo que chego hoje aos 68 (espero que seja um ano que termine). É uma dessas idades em que a gente começa a passar a vida a limpo – embora jamais edite a versão final; isso quem faz são os outros. Uma das injustiças da morte é impedir que nos defendamos do que vão dizer de nós. Tratemos então de fazer nossa defesa enquanto estivermos vivos.    
Datas como essa tendem a nos tornar filosóficos, meditativos. As pessoas esperam que digamos coisas verdadeiras ou sublimes sobre a vida. Acham, um tanto ingenuamente, que a experiência de outros irá servir para elas. Não servirão. A verdade é sempre de cada um, e cada um a constrói de acordo com a sua natureza, seus desejos e suas propensões.
Viver é bom? A pergunta não deve ser esta, e sim: viver é uma dádiva ou um ofício? Não adianta perguntar por que estamos aqui, pois para isso não existe resposta. A vida é uma contingência, de certo modo uma imposição, e cabe ao ser humano aceitá-la.
O que chamam de felicidade depende de fatores objetivos e subjetivos. Para uns é naturalmente mais difícil ser feliz (equipamento genético conta). Mas, assim como há o determinismo, há também a liberdade que a consciência propicia. O que se chama destino é fruto de uma parceria entre o nosso determinismo (genética, local de nascimento, ambiente) e a nossa configuração pessoal. Existe, sim, uma ponta de responsabilidade pessoal em nosso destino, assim como nossas escolhas aparentemente livres encontram obstáculos em forças que estão além de nós.
A questão não é se viver vale a pena, mas sim quanto de pena você pode evitar ao viver. A idade pesa menos do que a gente imaginava quando era jovem (desde que não se engorde muito, claro). É preciso aceitar a idade que se tem. Não há nada mais grotesco (e doloroso) do que lamentar o corpo que já não se possui, as possibilidades físicas que foram se perdendo com o tempo. Não se pode negar que tudo isso é duro, mas não devemos agravar o quadro com nossas lamentações. O ser humano se diz inteligente, mas tem um enorme despreparo para entender coisas essenciais – como, por exemplo, a sua origem natural.
Desconhecer a natureza (da qual fazemos parte) e as suas leis (que de algum modo regram nosso comportamento) é uma das maiores fontes da nossa miséria. Faz com que, por exemplo, tenhamos dificuldade de aceitar a morte – como se vida e morte não representassem diferentes estágios de um mesmo processo.
Nada contra sonhar com o Além, desde que nisso não penetrem o engodo, a contrafação, o escamoteamento da verdade (não faltam oportunistas dispostos a nos manipular nesse nebuloso domínio a que chamam de sobrenatural). A razão será sempre o farol; e a ciência, sua filha, é de quem a gente pode esperar meios para curar doenças e viver melhor. Isso não vai de encontro à crença que a pessoa, por hábito ou necessidade, resolva adotar. Não há por que abdicar daquilo que psicologicamente nos fortalece. A solidão do ateu, só Deus sabe. 
Mas para que tudo isso numa data como hoje? E o bolo, e os parabéns, e as velas para apagar? O tempo nos faz menos entusiasmados com esse tipo de comemoração. Já foram tantas... Mas sempre há uma sensação de triunfo, uma enorme gratidão às pessoas e às circunstâncias que concorreram para que atingíssemos esse marco. O sucesso de uma vida não se mede pelos anos, mas a longevidade supõe alguns louváveis requisitos – entre eles a paciência, a tolerância, o senso de humor. O humor é sempre uma vitória sobre o desespero. Será em grande parte graças a ele que no próximo ano vou fazer 69 (sem piadas, por favor!)

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O silêncio do inocente