É
preciso ter cuidado com as máximas que pretendem nos ensinar como viver. Elas
são inevitáveis, pois o desamparo do ser humano leva-o a continuamente procurar fórmulas que o
conduzam à almejada felicidade. Mas nem tudo o que elas dizem devem, como se
diz, ser tomado ao pé da letra.
Por exemplo, li uma vez este conselho
dado já não me lembro por quem: “A gente deve enfrentar o que mais teme.” Imaginei
transformar esse conselho uma regra e tratei de o pôr em prática. Comecei então
a pensar no que mais temo. Várias coisas me causam temor, mas fico em pânico só
com a ideia de pensar em ser perseguido por um cão feroz. Um rottweiler, por
exemplo. Perto do meu prédio tem uma casa onde existe um. Eu bem poderia me acercar
do muro e deixar o cão se aproximar para tentar perder o medo. Desisti. Tampouco me disponho a enfrentar
outras coisas que me arrepiam, como andar à noite por ruas escuras levando o
celular.
Outra regra muito propagada, inclusive
pelos praticantes da autoajuda, é a de que não devemos desistir dos nossos
sonhos. Houve um tempo em que eu sonhava muito em ganhar na loteria esportiva.
A fim de pôr em prática o conselho, passei a jogar toda semana. E não apenas
isso; para demonstrar o fervor da minha esperança, aumentava gradativamente a
quantia investida no jogo. Um belo dia (uso o chavão porque, de fato, aquele foi
um dia belo), me dei conta de que a prática semanal já tinha me levado uma
pequena fortuna. Parei. E não só: fiquei convencido de que a certos sonhos é
preciso desistir.
Outro ditado desconfiável é aquele segundo o qual “quem
procura acha”. Não dou conta dos objetos que, depois de ter perdido, procurei muito
e não consegui achar. Um deles foi um relógio que, não por que cargas d’água,
deixei na beira da praia. Outro cujo extravio doeu bem mais foi um livro dado por
uma namorada; esqueci-o no banco de um ônibus, e não adiantou voltar lá muitas
vezes. Não consegui achar. Desconfio de que esse esquecimento concorreu para
que ela, com o tempo, também viesse a me esquecer.
Não são poucas as chamadas “verdades
universais” que, apesar do nome abrangente, não se aplicam a todo o mundo. Até
mesmo delas é preciso desconfiar. Fala-se, por exemplo, que Deus ajuda quem
cedo madruga. Evite dizer isso a quem sofre de insônia e, por mais que tente,
não consegue voltar aos braços de Morfeu depois das três da manhã. Se alguém com
esse perfil ouvir que “Deus o ajuda”, vai lastimar pelo resto das noites a ironia.
Sejamos então humildes ao invocar o
conteúdo desses brocardos, que devem ser recebidos com desconfiança. Eles têm o
seu grau de verdade, são inclusive bonitos de ouvir e parecem concentrar o
suprassumo do conhecimento humano. Mas sabedoria é como roupa; por mais vistosa
que seja, não se ajusta a todo o mundo. Tem que ser primeiro provada para se
revelar (ou não) útil a quem a usa.
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