Gosto do termo “brumas” para figurar o esquecimento. O
que vivemos se perde numa massa brumosa que dissipa as impressões do que passou.
Não se revive nada, toda lembrança é o registro de uma perda. Ainda assim
insistimos em lembrar, pois disso depende em grande parte a nossa identidade.
Outro
vocábulo que também representa o que na memória se perdeu é “oblívio” – mas
desse ninguém se lembra. É um vocábulo erudito e um tanto assustador. Por
também significar repouso, tem alguma ligação com a morte.
“Amnésia”,
sim, é patológico. Sugere uma perda temporária das lembranças devido a lesão
cerebral ou à ingestão de determinadas substâncias. Seu radical evoca
Mnemosine, a deusa que para os gregos determinava a lembrança e o esquecimento.
Segundo a mitologia, os mortos que bebiam da água do seu poço relembravam suas
vidas.
O esquecimento é o que mais tememos na morte, por isso
o tema da memória provoca de forma tão intensa o nosso interesse. Quando se
pensa em não morrer, ficar “para sempre”, pensa-se na verdade em permanecer na
memória das pessoas.
A morte se consuma, não quando perdemos a vida, mas
quando o que fomos desaparece por completo da lembrança dos vivos. Daí o
empenho em que fique registrado o nosso nome nas obras de arte ou no acervo de
instituições como academias, confrarias religiosas, associações de notáveis – que
às vezes nem são tão notáveis assim, mas fazem questão do registro; o importante
é que o nome esteja lá.
Nesse esforço de ser lembrado há quem desconheça a
fronteira entre o bem e mal. Pouco importa se o recordam como um monstro ou um
psicopata, desde que seus atos imprimam uma marca indelével na memória dos
outros. Nesse grupo se enquadram os assassinos de celebridades ou os que,
no exercício de funções delicadas como a de pilotos de aviação, produzem
tragédias que levam à destruição de inocentes.
Muitos fazem tudo pela glória póstuma esquecidos de
que o essencial mesmo é “permanecer” enquanto
estiverem vivos. Isso significa atuar, comprometer-se, ser determinante na vida
dos que deles dependem ou com os quais mantêm vínculos de afeto.
Quem falha nessa tarefa, muitas vezes em prol de uma
duvidosa notoriedade aos olhos dos pósteros, está condenado ao esquecimento em
vida (um esquecimento que por vezes se confunde com desprezo). E deve amargar
para sempre os efeitos da escolha errada.
Conhecendo o seu blog, Seu Chico. Essa é o segundo diálogo que leio, pois o primeiro foi Vida e Tempo. Quantos temas atuais em sua escrita. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado! Fico feliz em saber que você aprecia os textos.
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