Essa história aconteceu no tempo do ronca, quando o recato das moçoilas era-lhes o maior trunfo para os casórios. Quanto mais pudibundas, mais candidatas à celebração nupcial. Daí que se esmeravam em ostentar um ilibado comportamento em sociedade; quando iam às tertúlias, era na companhia das genitoras ou de alguém a quem incumbia vigiá-las.
Conta-se que um mancebo sem eira nem beira intentava
namorar uma dessas donzelas de truz. Para isso usava toda a sua léria, mas o
pai da moça se opunha por achar que ele era um mandrião. Não se ocupava em nada
que lhe trouxesse algum tipo de estipêndio.
O moço pretendia convolar de estado civil – mas como, se mais parecia um
mequetrefe?
O pai então lançou-lhe um repto: ele casaria com a sua
filha se jungisse a tal desiderato a demonstração de que não era um soez.
– E o que devo fazer? – quis saber o rapaz.
– Deves dar-me a prova de que tens futuro.
Em meio a tão escorchante desafio, o moço foi aos
poucos sentindo gorarem-se-lhe as pretensões. Não era nenhum abilolado e
percebeu que o queriam apartar da contenda.
Caminhou a esmo na noite até que, esfalfado, resolveu tomar um pifão.
Quando a ebriedade lhe turvou o bestunto, dirigiu-se à casa da moça.
Postado
em frente à alcova onde ela dormia, encetou uma elocução:
– Não tenho prebenda, mas não sou nenhum sorrelfa.
Juntos viveríamos com parcimônia, mas não à míngua. Juro-to.
A moça, já adormecida, despertou num sobressalto.
Colocou furibunda o corselete, que preferia ao califom, e foi até a janela:
– Arreda-te, doidivanas. Não vês que
nada ganhas com tais ululações? Além disso, tiraste-me dos braços de Morfeu.
– Morfeu?! Então tens outro... Por
que não me falaste? – gorgolejou o rapaz, já pensando em cascar a marreta. Mas
logo tirou da cabeça essa ideia, pois no fundo era um poltrão.
– Se não sabes quem é Morfeu, com isso apenas provas a
tua estultice. E dás razão a meu pai... – continuou a moça. Dito isso, fechou
com estrépito a janela.
O rapaz foi embora achando-se um
alarve. Ainda pensou em ir até uma botica comprar um sanativo que lhe
diminuísse a coita. Ao mesmo tempo, contudo, sentia-se ditoso por haver
descoberto a traição. Melhor saber-se guampudo agora do que depois.