domingo, 3 de abril de 2016

Pânico no poleiro

Depois de uma noite de sono em que não dormi, tenho enfim uma tese sobre a crise que toma conta do Brasil. Não penso com ela resolver os problemas do país (mesmo porque não conseguiria), mas pelo menos resolvo o meu, que é o de encher as linhas desta coluna e mandá-la, enfim, à redação.
         A minha tese se inspira na máxima de alguém que não dava a mínima para as preocupações. Achava que a melhor forma de superar um obstáculo era contorná-lo, ou seja, evitar enfrentá-lo. Aplicando esse conselho ao panorama atual, o melhor meio de resolver a crise é mesmo ignorar que ela existe; dar o troco na mesma moeda aos administradores e políticos que sempre fizeram questão de nos ignorar. Isso porque uma coisa é certa: o povo gosta de circo, mas não aceita que o façam de palhaço.
As coisas deram errado, claro, porque não deram certo; do contrário, seria o oposto. Mas não devemos perder a esperança; amanhã será outro dia, desde que cheguemos lá.  Quando o governo está mal, não custa mudar para um pior e ver o que acontece. No atual momento brasileiro, observamos um confronto entre a incompetência e o oportunismo. Nesses casos o oportunismo sempre ganha, até que eventualmente prove a sua incompetência e seja retirado do poder. E assim vai a nave.
O Brasil tinha pressa, mas quiseram imprimir a ele a velocidade de uma bicicleta. O resultado é que ninguém suportou mais as pedaladas e começou a protestar por mais agilidade e limpeza. Tratou-se então de convocar uma Lava-Jato, que por definição atende a esses requisitos. Ocorre que a faxina está sendo mais rápida do que se esperava, e mais profunda do que se temia. Meu medo é que desistam da faxina e deixem tudo como estava. Afinal, estamos preparados para aceitar a verdade que mora num poço (ou em vários, já que se trata da Petrobras), mas não num esgoto.
Vivemos num país em que a corrupção grassa, e isto não nos sai de graça. Com a corrupção, além dos impostos, pagamos também pela propina, que é uma espécie de imposto escuso. Para completar, os propineiros e propinados costumam gastar seus pixulecos em países de moeda bem mais forte do que a nossa (dólar, euro, libra). Eles poderiam, pelo menos, frequentar hotéis, restaurantes e shoppings daqui mesmo. Isso diminuiria a taxa de desemprego, já tão alta, e não implicaria ônus cambial para o contribuinte brasileiro.
Alega-se que o país está à beira de um golpe. Só se for de sorte. De sorte, sim, pois se uma coisa o atual momento evidencia é que a nação tem mecanismos institucionais sólidos para garantir o regime democrático. Respeitamos todos os discursos, inclusive os pornográficos, que abundam (epa!) na fala de alguns políticos famosos (foi de bom-tom Moro proibir a divulgação de novas gravações, do contrário teríamos que tirar as crianças da sala). Estamos dispostos a ouvir todas as partes (desde que não seja na hora da novela ou do futebol, claro). E o mais importante: vimos nos últimos meses a polícia perseguir gente grossa, os chamados “tubarões”, em vez dos tradicionais ladrões de galinha. 

domingo, 27 de março de 2016

Vida e tempo

Outrora as pessoas morriam mais cedo e nem assim deixavam de fazer as obras que as notabilizavam. Parece que a consciência da brevidade da vida levava-as a intensificar seu trabalho. Era como se, intuitivamente, soubessem que não tinham tempo a perder. Ameaçadas por um número maior de doenças sem cura, não podiam se dar ao luxo de adiar projetos e sonhos. Nossos poetas românticos, por exemplo, deixavam este mundo na flor da idade, ceifados pela sífilis ou pela tuberculose, mas as suas obras pareciam consumadas. Eram o melhor que eles poderiam fazer.  
Hoje é diferente. Graças aos avanços da medicina e da farmacologia, nossa média de vida aumentou. Não podemos nos queixar de falta de tempo. Quem antes tinha quarenta ou cinquenta anos se considerava um velho. Hoje o indivíduo com sessenta sente-se disposto a recomeçar a vida. Supõe que ainda terá muito caminho pela frente.
Antigamente o desafio era viver mais. Hoje, é viver melhor. Fala-se muito em qualidade e não em quantidade de vida. Uma vida longa, mas deficiente, não parece valer a pena. Isso nos remete à velha questão: o ideal é viver pouco, mas com intensidade, ou viver muito porém de forma rotineira e insípida?
Muitos alegam que viver da primeira forma é melhor, mas o que desejam mesmo é permanecer vivos (mesmo que isso implique enfrentar os contratempos da velhice). Há um consenso segundo o qual quem vive muito triunfa sobre os que morrem mais cedo. A longevidade aparece como um troféu que confere ao indivíduo admiração e prestígio, e só os incompetentes e desleixados se deixam colher precocemente pela morte.
Para ganhar esse troféu é preciso se submeter a um tipo de corrida diferente, no qual ganha quem chega por último. Diante disso, é melhor não se apressar. Certamente a melhor fórmula para obter esse prêmio é viver com moderação, evitando o estresse e outros males que nos impulsionam a uma existência trepidante. São grandes os malefícios que essa trepidação traz ao nosso organismo.  
Viver devagar, no entanto, é um enorme desafio num mundo em que se exalta a excelência e o acúmulo de realizações. Como botar um freio na rotina se somos permanentemente convocados à competição e, em vista disso, a nossa agenda está sempre cheia? Quem tenta frear o ritmo não raro se sente excluído. Ao buscar se desprender das amarras que o vinculam à engrenagem do dia a dia, é tomado pelo tédio e a insatisfação. Conheço gente que, embora se queixe do excesso de trabalho, não suporta os domingos e feriados. Acha que neles falta alguma coisa.
      O fato é que, mesmo com as cobranças do mundo moderno, hoje vivemos mais. Isso não significa que vivamos melhor nem que o maior tempo de que dispomos nos leve a realizações significativas. Todos temos alguns momentos-chaves, em que as coisas acontecem, e outros em que nos limitamos a “tocar” biologicamente a vida. Ninguém garante que, se vivesse mais de 24 anos, Castro Alves teria feito poemas superiores aos que fez. Viver mais também não deixa de ser um problema; implica um desafio maior para a conquista e a manutenção da felicidade.

domingo, 20 de março de 2016

Do baú (10)

Ao escrever, aja sem cerimônia. A cerimônia faz o escritor “se encher de dedos” e não definir o que quer dizer. Ela se liga à angústia da perfeição, que não paralisa só o ato de escrever (querer ser perfeito é um obstáculo em todos os domínios da vida). Freud liga essa angústia ao ideal do ego, que constitui a matriz do chamado superego (instância censora que leva ao sentimento de culpa).
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Ficou claro nas manifestações do último domingo que o povo quer honestidade. Ninguém aguenta mais a corrupção, que nos últimos anos chegou a um nível intolerável. Isso explica a ostensiva presença da imagem do juiz Moro em cartazes, banners, faixas. O povo já começou a mitificar o homem, que vem aparecendo como uma espécie de justiceiro implacável. Ponderemos, no entanto, que como em toda mitificação há também nessa um exagero. Moro não age só, não decide prender ou soltar conforme seu humor. É um juiz e, como tal, prolata (é esse mesmo o verbo) suas sentenças com base nos fatos.    
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As cerimônias de casamento seriam mais honestas se, diante do padre, os noivos trocassem o “sim” pelo “talvez”. Como isso não ocorre, grande parte deles é levada a iniciar a vida conjugal com uma mentira.
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A depressão caracteriza-se por uma defecção (abandono) do ser.  Depois que o indivíduo sai da crise, imagina não ser mais o que era. Sente a identidade como um fio tênue, que a custo lhe assegura a autopercepção. Ressente-se de plenitude. Um dos apelos patéticos que o depressivo faz a si mesmo ou a quem tenta ajudá-lo é: quero ser eu de novo.
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Não se deve elogiar um livro pensando mais no autor do que na obra. Isso explica por que a convivência, ou mesmo a proximidade, é inimiga da boa crítica. Nossa hipocrisia, por sinal, vem de que não temos uma cultura que estimula a crítica. Resultado: distribuímos elogios por generosidade ou, o mais comum, por constrangimento.
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O ódio do preconceituoso é diretamente proporcional à superficialidade dos motivos que o inspiram. A consciência disso o faz intensificar o sentimento de rejeição ao outro; tal sentimento em boa parte se alimenta do ódio a si mesmo. É um pouco como no ciúme doentio; o ciumento se detesta por reconhecer a própria insegurança e vinga-se dessa fraqueza no outro.
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É impossível negar o poder corruptor do capitalismo. Ele é tão forte que atua mesmo nos seus inimigos declarados. O Brasil atual é um ótimo exemplo disso. Direita ou esquerda... Pouco importa se o dinheiro do povo é roubado com uma ou outra mão. O estrago é o mesmo. 

sábado, 12 de março de 2016

Soneto zangado



Se você permanece indiferente
à  dor dos outros; se mente sem pejo;
se para  ter vantagem até consente
em (como Judas) disfarçar um beijo;  

Se prega a honestidade mas, no escuro,
age como uma ave de rapina,
roubando aqueles que batalham duro
por meio do conchavo e da propina;

Se pensa que toda mulher é fácil;     
que o estudo é coisa de pascácio
e basta ter dinheiro pra vencer,

então, amigo, pode ficar certo
de que você, com esse jeito esperto,
não passa de um grande efedepê.

(da série “Meus pecados poéticos”)


terça-feira, 8 de março de 2016

O menino e o velho

A soma dos contrários rege a vida
e a tudo imprime o seu variado aspecto.
Assim é que, a toda despedida, 
corresponde também um recomeço. 

E a todo olhar brilhante de alegria
subjaz uma nota de tristeza;  
como ao feio, que às vezes horroriza, 
deve mesclar-se um fundo de beleza.

Não há quem desse dualismo escape   
e dentro em si não perceba o contraste,
que é a própria essência do viver.

Também em mim provei tal desatino,    
pois se hoje persisto em ser menino,
bem cedo comecei a envelhecer. 

À mulher, no seu dia

Dela aprendemos o amor
na sua vária expressão.
Seu melhor símbolo é a flor,
que orna o altar e a paixão. 

Irmã nas horas extremas,
fonte de dor e de gozo,
merece mais que um poema
quem da poesia é o pouso.

Se, talvez, por sua arte,     
fomos do Éden banidos,
basta que ela nos abrace  
pra sentirmo-nos redimidos.

(da série “Meus pecados poéticos”)

domingo, 6 de março de 2016

Seleção de frases (43)

       Há duas coisas que, perdidas, não se recuperam mais: a virgindade e o tempo.
                                                    ****
    Concordar com que o homem veio do macaco não significa, necessariamente, aceitar a ideia de uma evolução.
                                           ****
Esquecer é a pior forma de desdenhar.
                                           ****
                               Deus não precisa haver para existir.     
                                                     ****
                  Sou pela igualdade de gêneros, em número e grau.
                                            ****
Quem escreve pensando em “ficar” deveria parar de escrever. Nada é mais paralisante do que a expectativa quanto ao juízo da posteridade.
                                            ****
       A busca da ilusão gera convictos. A busca da verdade gera céticos.
                                            ****
Não se preocupe demais com o futuro. Você certamente não estará aqui quando ele chegar.
                                                     ****
       As pessoas fazem regime para se livrar de dois pesos – o maior deles, na consciência.  
                                            ****
Dizem que é preciso respeitar a opção sexual dos outros, mas não se pode falar em “opção” quando não há escolha. É preciso respeitar... os outros.

A voz do destino