quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Seleção de frases (22)

A paixão se alimenta do desejo. O amor, da admiração.
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É difícil para as modelos disfarçar os ossos do ofício.
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Antigamente os casamentos ocorriam mais pelo dote do que pelos dotes.
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Uma das provas do narcisismo humano é que ninguém tapa o nariz para o próprio pum.
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A vida nos ensina a dar valor às pequenas coisas: uma joia, um cartão de crédito, uma continha no banco...
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A afinidade é o erotismo do espírito.
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Não lastimo a minha ignorância. Ela é a única coisa que não devo a ninguém.
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No meu tempo de rapaz, quem queria badalar usava calça boca de sino.
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Para abrir o apetite, nada melhor do que a fome.
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É preferível o que incomoda ao que acomoda.







domingo, 27 de janeiro de 2013

O ridículo das cartas de amor

“Todas as cartas de amor são ridículas”, diz um famoso verso de Fernando Pessoa. Os apaixonados não concordam com isso, mas os indivíduos serenos não deixam de dar razão ao poeta. Para que escrever cartas de amor? Mesmo aceitando que não sejam ridículas, não é difícil perceber a sua inutilidade. Elas ou tomam o lugar do sentimento, ou aparecem como substituto num instante em que ele já não existe. As cartas são curtidas num momento de perda; o que já não é persiste no papel como testemunho do que um dia foi.
Hoje não se escrevem mais cartas de amor. No máximo se manda um e-mail ou uma mensagem no Facebook -- ambos facilmente deletáveis. A facilidade da “borracha” eletrônica é bem um símbolo do imediatismo da nossa época. Ninguém tem mais tempo de ficar horas sobre o papel (ou diante da tela do computador) em busca de imagens que traduzam o que lhe vai na alma sob o influxo de tão complexo sentimento.
Antigamente não era assim. Paixão que se prezava tinha que ter a sua versão literária, escrita com mais ardor do que estilo. No século 18, por exemplo, isso era uma mania entre as pessoas refinadas, que tinham na palavra escrita um instrumento para manter o outro sob o seu jugo. Naquela época, ela era um eficaz meio de conquista. Casanova que o diga; grande parte do seu sucesso com as mulheres vinha da habilidade com que urdia o verbo (“urdir” é bem o termo, pois o célebre conquistador compunha uma teia da qual elas dificilmente conseguiam se livrar).
Se não chegam a ser ridículas, as cartas de amor são pelo menos estranhas. Machado demonstra isso num famoso capítulo de “Memórias Póstumas”. Certa ocasião Cubas se depara numa gaveta com um bilhete em que se dispõe a fazer coisas que lhe soam extravagantes, como pular um muro para se encontrar com alguém. Acha a deliberação fora de propósito e o estilo exagerado, até se dar conta de que o bilhete fora escrito fazia anos e se destinava a Virgília, seu grande amor.
As cartas geralmente são escritas nos momentos de exaltação ou de crise. Ou quando a paixão está no ápice, ou quando se ressente de alguma ameaça que muitas vezes se deve à imperícia dos amantes. Neste caso são frequentes as queixas, as brigas, os pequenos escândalos que se tenta reparar com catadupas verbais, buscando-se com essa torrente apagar a culpa e se refazer diante do outro.
Nem sempre isso funciona, mas fica o doloroso registro da tentativa. Comigo funcionou até certo ponto. Houve um momento em que escrevi muitas cartas desse tipo, buscando me redimir diante de alguém que viria a ser a companheira definitiva. Como ninguém lê o futuro, eu por várias vezes rompi uma relação que tinha tudo para dar certo. As cartas eram uma forma de me justificar e punir.
Um dia, após uma discussão maior, ela perdeu a paciência e as rasgou. Depois, num gesto simbólico, queimou tudo. Na hora sofri muito, pois achava que literariamente elas não eram tão ruins. Depois acabei aceitando; sem a alternativa que representavam, eu ficava sem texto e sem pretexto para brigar de novo. Minha resignação cresceu com o tempo; como aquelas cartas não constituiriam exceção aos versos do poeta, escapei de acrescentar uma boa cota de ridículo a minha vida.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Volta a Gramado

Volto a Gramado depois de dois anos, e agora não apenas em razão do Natal Luz. A cidade tinha me cativado pelo clima ameno e a hospitalidade das pessoas. É um dos poucos lugares do Brasil onde se torna possível repousar mesmo com a enxurrada de turistas que a invadem nesta época do ano (“invadir” não é bem o termo; tem uma conotação bélica em tudo oposta à paz que se usufrui ali).
Da outra vez assisti ao desfile principal e ao “Nativitaten”, espetáculo de som e luzes em que se celebra o nascimento de Cristo. Agora procuramos ver outras atrações e, sobretudo, nos impregnar do clima da cidade. Ficamos no mesmo hotel que escolhemos da primeira vez e que nos permitiria refazer alguns dos antigos percursos.
Por exemplo: seguir a Av. Borges de Medeiros olhando as vitrines enfeitadas com motivos natalinos. Vez por outra entrar numa daquelas lojas caprichadamente decoradas e apreciar a originalidade dos produtos expostos -- imagens, roupas, enfeites. O colorido exuberante remetia a uma visão lírica e ingênua do Natal -- mas quem estava preocupado com isso? O objetivo da festa era mesmo nos fazer voltar à infância, inclusive no que ela tem de pródigo e imprevidente; por isso convinha, a intervalos, conferir o limite do cartão de crédito.
Cabia a mim essa antipática mas necessária missão, porém esse não foi o único sacrifício que tive de fazer. Estávamos na terra do chocolate -- e eu, por ser alérgico, não podia comer chocolate! Esperava alguma solidariedade da família; queria que pelo menos falassem pouco no assunto... Mas em vez disso tinha que ouvir o tempo todo opiniões sobre qual era a melhor marca (Prawer, Caracol, Lugano...?). Nem preciso dizer que a busca de um consenso se dava em meio a intermináveis sessões de degustação.
Voltei da cidade sem provar o sabor do seu mais famoso produto, mas não posso dizer que só alimentei o espírito. Compensei-me no rodízio de fondues e sobretudo no vinho tinto, diante do qual eu à noite chorava minhas mágoas gastronômicas (li em muitas placas a palavra “fondue” antecedida por artigo masculino, mas o correto é “a fondue”).
O sucesso do Natal Luz é o resultado de uma parceria entre o povo, o comércio, o empresariado e o poder público. Noventa por cento da economia do município repousa no turismo, e a maior parte desse percentual vem dos que procuram a cidade em dezembro e janeiro. Compenetrados disso, os gramadenses se esmeram em oferecer aos visitantes eficiência e simpatia. A natureza também faz a sua parte, providenciando o clima ameno e os canteiros de hortênsia que orlam as vias urbanas e as alamedas nas quais se assentam as residências coloniais. Naquele cenário europeu, a que não falta a neblina esgarçando os pinheiros, fica mais fácil acreditar em Papai Noel.
A nota triste ficou por conta da dificuldade de deslocamento. Como há poucos táxis, os turistas se submetiam a pagar muito além da tabela aos carros que os levavam dos hotéis a outros pontos da cidade -- ou fora dela. Esse é um tipo de abuso que vem crescendo e, se não for contido, poderá lançar sombras sobre um evento projetado para despertar o que há de melhor em nossos corações.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Pelo caminho

Todos temos uma vocação real, definida, e outras que ficam pelo caminho. À prática destas últimas costuma-se dar o nome de diletantismo. Um pintor diletante é uma pessoa que tem um filete de dom para o pincel; consciente de que nunca será um grande artista, ela se contenta com pintar por prazer. Ou por nostalgia.
Alguns se recusam a ser diletantes e rompem de vez com a vocação frustrada. Não se conformam com a prática medíocre de uma habilidade que lhes coube em grau muito pequeno. Preferem esquecer que um dia tiveram jeito para música, teatro, cinema e hoje ganham a vida num ofício que nada tem a ver com essas glamurosas manifestações do talento e da sensibilidade.
Isso é mais ou menos o que acontece comigo em relação à música. Quando eu tinha sete, oito anos, minha mãe decidiu que eu devia aprender acordeom (era assim que naquele tempo se chamava a sanfona). Chegaram a comprar um acordeom para mim e contratar uma professora particular para me dar aulas.
Foi em Campina, aí pela década de 50. Duas vezes por semana, durante mais de um ano, lá ia eu para a casa de Maria Colaço. Tinha que transportar o instrumento nas costas por cerca de dois quilômetros, mas isso não chegava a me incomodar. Era parte do sacrifício, e seria mais uma razão no futuro para que admirassem a minha obstinação.
As pessoas comentariam, quando eu fosse um grande artista, coisas do tipo: “... e tinha, coitado, que levar a sanfona nas costas por mais de seis quilômetros para ter uma hora de aula” (o exagero, evidentemente, era para compatibilizar o esforço com o tamanho da minha glória). “Dizem que chegou a ficar asmático...”. Aí existiria uma pequena confusão biográfica, comum na vida dos grandes talentos. A asma veio bem antes e não foi provocada pelo peso da sanfona, e sim por alergia a poeira, sol e friagem.
Evoluí rápido, aprendendo notas, acordes e a leitura da pauta musical. Com o tempo, estava dedilhando o “Danúbio azul” e baiõezinhos ingênuos como “Cai, cai, balão”. Eu tinha, como veem, um talento maleável e eclético. Minha mãe logo notou isso, e decidiu que não devia esperar mais. Programou uma apresentação do filho num programa infantil da Rádio Borborema – o “Clube Papai Noel”, que acontecia nos domingos de manhã. Quem o comandava era um radialista risonho e simpático chamado Heraldo César.
No dia de me apresentar, eu estava estranhamente ansioso. Cheguei a subir ao palco, mas na hora de executar o número que ensaiara tanto... fiquei paralisado. Sentia a sanfona arfando no meu peito e tentava reencontrar as notas: “Cai... cai, balão” – e nada de o balão cair, quero dizer, nada de o acordeom inflar suas notas para o auditório atônito. Lamento dizer que essa audição precoce decretou o fim da minha carreira musical. E o que me derrotou não foi o peso do instrumento, nem a asma. Foi a timidez.

("A idade do bobo", p. 137)
Leia o livro completo em http://www.bookess.com/read/14324-a-idade-do-bobo.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Seleção de frases (21)

Todo gay sonha com seus 15 minutos de fêmea.
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Se a melancolia é a saudade do que não se teve, o sonho é a lembrança do que não se viveu.
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Envelhecer é trocar a gamação pelo gamão.
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Vivesse no capitalismo de hoje, Machado diria que o homem é uma duplicata (e não uma errata) de si mesmo.
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A mendicância mais triste é a do aplauso.
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Alcoólatra não bebe por gosto, mas por desgosto.
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Tudo tem dois lados, mas a gente só enxerga isso quando se desencanta com um deles.
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O recurso está para o Direito assim como o jeitinho está para a Ética. Isso afasta a justiça para cada vez mais longe.
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Ator muito paparicado acaba pintando o set.
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Não entendo por que chamam de “saradas” aquelas meninas de corpo esplêndido que, pelo visto, nunca tiveram doença alguma.

O silêncio do inocente