domingo, 14 de abril de 2013

A cura

Um dia Eustáquio adoeceu gravemente. Os médicos resolveram interná-lo, mas de nada valeram os remédios e as vitaminas que lhe davam; o homem estava cada vez mais pálido e começava a definhar. Pelo visto, tinha pouco tempo de vida.
Um dos doutores chamou a família e disse que ele poderia não chegar ao fim do mês. E agora? Afável, e com um bom contracheque, Eustáquio era muito benquisto pelos irmãos -- um rapaz e uma moça. Como nenhum deles se casara, acostumaram-se a se amparar um no outro. Eustáquio era por assim dizer a viga-mestra, que agora estava na iminência de se esboroar carregando os dois consigo.
Estavam os irmãos ainda sob o impacto do susto, quando uma enfermeira trouxe do quarto a notícia: pressentindo que ia morrer, o doente queria realizar um último desejo.
- Último desejo?! -- estranharam, pois o irmão aparentemente não tinha desejos. Sempre fora calmo, aquiescente, dividindo a renda com os dois. Agora vinha com essa história. O que a perspectiva da morte não faz!
- E qual é o desejo? - perguntaram quase ao mesmo tempo.
- Ele... quer assistir um strip-tease. No quarto mesmo, já que não pode sair de lá.
- Como?! -- levou tempo para se recuperarem do susto. -- Um strip-tease?! Que pouca vergonha! (Quem berrou isso foi Creusa, apoplética.) Jamais! Se ele fizer isso, e sobretudo numa hora dessas, aí é que vai mesmo para o inferno.
Nestor, mais ponderado, observou que não era justo negar essa vontade ao irmão. Ele sempre fora bom, e tinha o direito de realizar seu estranho desejo antes de morrer. Se queria ver um o strip-tease, que viesse o strip-tease.
O problema era: quem ia fazer o número? Pensaram, pensaram, e alguém propôs Ritinha. Ela morava na mesma rua que a deles e não tinha lá muito boa fama. Lhe explicariam o caso, e a moça (moça era força de expressão) certamente não se negaria a prestar esse serviço a um moribundo.
Ritinha ouviu a proposta, pensou um pouco e acabou aceitando. Menos pelo dinheiro e mais pelo próprio Eustáquio, que ela conhecia de vista e achava uma grande pessoa. Faria o número feliz por dar alegria a alguém que estava tão próximo de deixar o mundo.
Chegou o dia. Ritinha entrou no quarto com uma roupa vermelha rendada. As enfermeiras tinham diminuído a intensidade da luz, para criar uma atmosfera de boate. Na sala de espera, Creusa apertava nervosamente as contas de um terço, preocupada com a alma do futuro morto. A sessão levou uns 30 minutos, e nunca se soube muito bem o que aconteceu ali.
Estranhamente, após daquele dia Eustáquio começou a melhorar. Logo dispensou os medicamentos e deixou o hospital. Algum tempo depois surpreendeu a família pedindo Ritinha em casamento. Creusa se opôs, arrependida por haver permitido o capricho do irmão, mas terminou concordando. Até aceitou ser madrinha, contanto que pudesse escolher o nome do futuro sobrinho.

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O silêncio do inocente