Camões escreveu que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. O poeta quer dizer com isso que nosso desejo é mutante. O que queremos hoje podemos rejeitar amanha, e o que agora desprezamos pode no futuro ser objeto do nosso mais ardente empenho.
Essa verdade vale também para as palavras. Não que elas possam desejar alguma coisa. Palavras não são gente. Mas o prestígio de que desfrutam varia muito, refletindo a nossa forma de sentir o mundo.
Um passeio pela ficção de Machado de Assis mostra isso. Quem sabe hoje o que é “tílburi”? Era uma espécie de carro de duas rodas puxado por um só animal. Tanto servia ao uso particular como ao público, antecipando o táxi dos dias atuais.
No tempo de Machado, “boceta” era uma caixinha em que se guardavam pequenos objetos ou rapé. Não tinha o sentido cabeludo que lhe dão hoje. Machado usa-a mais de uma vez para se referir à caixinha de onde Pandora, a mãe Natureza, retirou as desgraças que atingem os homens.
O próprio rapé também saiu de moda, pois hoje uma turma pesada prefere cheirar outra coisa. Ninguém cheirava rapé para viajar ou cometer delitos; no máximo essa mistura de tabaco com substâncias aromáticas provocava alguns espirros. Era um estupefaciente e descongestionante.
Falo da época de Machado, mas não é preciso ir tão longe. Os jovens, que hoje desabusadamente ficam, há poucas décadas eram chamados de “brotos”. Com a força da sua explosão vegetal, broto é mais inocente do que gato, gatinha, mina e outros termos que se usam agora.
Também se trocou flerte por paquera, que não à toa se deriva de paca (paqueiro é o cão adestrado para caçar pacas). O flerte era um exercício estético, tinha a gratuidade da poesia. Não culminava necessariamente no ato sexual.
Flertava-se para degustar a conquista iminente, e muitos se contentavam com os preâmbulos cheios de promessas. Já a paquera tem muito de uma operação de caça, cujo objetivo é comer a presa.
(Em "A idade do bobo", p. 60)
Leia o livro em http://www.bookess.com/read/14324-a-idade-do-bobo.
Essa verdade vale também para as palavras. Não que elas possam desejar alguma coisa. Palavras não são gente. Mas o prestígio de que desfrutam varia muito, refletindo a nossa forma de sentir o mundo.
Um passeio pela ficção de Machado de Assis mostra isso. Quem sabe hoje o que é “tílburi”? Era uma espécie de carro de duas rodas puxado por um só animal. Tanto servia ao uso particular como ao público, antecipando o táxi dos dias atuais.
No tempo de Machado, “boceta” era uma caixinha em que se guardavam pequenos objetos ou rapé. Não tinha o sentido cabeludo que lhe dão hoje. Machado usa-a mais de uma vez para se referir à caixinha de onde Pandora, a mãe Natureza, retirou as desgraças que atingem os homens.
O próprio rapé também saiu de moda, pois hoje uma turma pesada prefere cheirar outra coisa. Ninguém cheirava rapé para viajar ou cometer delitos; no máximo essa mistura de tabaco com substâncias aromáticas provocava alguns espirros. Era um estupefaciente e descongestionante.
Falo da época de Machado, mas não é preciso ir tão longe. Os jovens, que hoje desabusadamente ficam, há poucas décadas eram chamados de “brotos”. Com a força da sua explosão vegetal, broto é mais inocente do que gato, gatinha, mina e outros termos que se usam agora.
Também se trocou flerte por paquera, que não à toa se deriva de paca (paqueiro é o cão adestrado para caçar pacas). O flerte era um exercício estético, tinha a gratuidade da poesia. Não culminava necessariamente no ato sexual.
Flertava-se para degustar a conquista iminente, e muitos se contentavam com os preâmbulos cheios de promessas. Já a paquera tem muito de uma operação de caça, cujo objetivo é comer a presa.
(Em "A idade do bobo", p. 60)
Leia o livro em http://www.bookess.com/read/14324-a-idade-do-bobo.
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