sábado, 30 de julho de 2016

Carta a Berta (5)

Querida Berta:

Estive ausente por uns dias, mas não me esqueci de você. É que houve uns problemas aqui em casa e tive de arregaçar as mangas (não para resolvê-los, mas para não me sujar). Primeiro veio um entupimento no vaso sanitário. Depois o teto da cozinha apareceu com um vazamento que fazia a água descer pelas paredes e danificar o piso.
Parecia que estávamos na Vila Olímpica do Rio, e sem aquele batalhão de encanadores, eletricistas e pedreiros para resolver o problema. Com a grana curta, Celeste teve de apelar para um funcionário que trabalha para a mãe dela; Dona Zeferina mandou-o de má vontade e ainda me criticou (minha sogra nunca me engoliu, embora tenha tentado isso mais de uma vez quando ninguém estava olhando). Deve ter aproveitado o pretexto para lembrar à filha que ela não deveria ter se casado com um joão-ninguém...
Mas os problemas foram resolvidos, felizmente, e a vida voltou à normalidade. “Bolsonaro” está magrinho porque não tem se alimentado bem. Com alto o preço da carne, está sendo impossível deixar todo o osso para ele. Quando rosna, faminto, tento explicar-lhe que o culpado não somos nós, e sim a crise.  
 Por falar em crise (e é só no que se fala), dentro de poucos dias se resolverá o problema do impeachment. Celeste, com a sua velha queda pela esquerda, aderiu a um grupo no Facebook intitulado “Fora,Temer”. Perguntou se eu queria participar. Embora isso pudesse melhorar o clima entre nós, fazendo-a pelo menos abrandar a greve de sexo, respondi que não. O “Fora, Temer” poderia dar a entender “Volta, Dilma”, e eu não queria correr esse risco.
Os partidários da “teoria do golpe” querem que a presidente afastada compareça com o presidente em exercício à cerimônia de abertura dos jogos. Já tem gente apostando para saber quem levará a maior vaia. Ainda bem que não se está pensando em bater panelas; se isso ocorresse, ninguém ia suportar o barulho num momento em que é tão importante escutar o Hino Nacional (escutar, pelo menos, já que ninguém sabe mesmo cantá-lo). Além do mais, bater panelas seria péssimo para a imagem do País quando o feijão (principal ingrediente na mesa dos brasileiros) está pela hora da morte. Não se pode prever como a comunidade internacional ia interpretar isso.  
Felizmente a Olimpíada começa na próxima semana e nos fará sair um pouco do baixo-astral trazido pela crise. Vai ser animado acompanhar o movimento dos turistas, o desembarque das delegações, a chegada dos chefes de Estado. Entre eles François Hollande, que ultimamente só tem assistido a minutos de silêncio. Talvez agora se alegre um pouco, principalmente se a França (hélas!) conquistar medalhas.
 Despeço-me por hoje. Que a Olimpíada transcorra sem atentados e a única explosão que a gente escute seja a dos gritos da nossa torcida. Essa explosão verde-amarela fará bem a um país que ainda está no vermelho.

Abraço olímpico do seu
Nicanor.
  

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O silêncio do inocente