Houve
uma época em que me passou pela cabeça escrever livros de
autoajuda. A justificativa para isso , confesso , não era das mais nobres . Como os
autores desse tipo
de literatura vendiam muito ,
pensei em me
arriscar no gênero
para , quem
sabe?, robustecer minha
conta bancária .
Eu
pensava que fazer
livro de autoajuda seria fácil . Não precisava
ser erudito nem conhecer profundamente filosofia ,
psicologia , antropologia
ou qualquer
outra dessas especialidades
nobres . Bastava ter
delas uma leitura superficial ,
algum bom
senso e, claro ,
uma boa dose de esperteza .
Nem
me dei ao trabalho
de ler os autores
que faziam sucesso
nesse departamento menor
da literatura – Paulo Coelho ,
Augusto Cury, Zibia Gasparetto e outros frequentadores das listas
dos mais vendidos. Até
que tentei folhear
um ou
outro livro
de alguns deles, mas
não me
empolguei. Achava o texto piegas , sem profundidade , ralo
de substância humana .
Eu não precisava conhecer aquilo para dizer obviedades sobre as pessoas
e levá-las a consumir o que
eu escreveria. Bastava desfiar
algumas platitudes sobre a vida e a morte , o amor e o dinheiro , o emprego e a família
– sempre com
o cuidado de não
complicar .
Convencido
dessas verdades , que
pareciam extraídas de um manual de autoajuda para escritores , comecei o meu
trabalho . Escrevi umas frases
chochas sobre o poder
do pensamento positivo
e a permanência da magia
no mundo técnico
e frio de hoje .
Coisas do tipo “Se você quer , você pode”, ou “Só uma coisa é proibida ao ser humano : desistir ”. Inventei
que um
personagem vivido
na Idade Média ,
Abhsalão, havia me aparecido em sonho e ditado os quatro
passos para alcançar a felicidade
(infelizmente me
faltou imaginação para
dizer que passos era esses , mas
fiquei de pensar e escrever
depois ). Completei tudo
com umas pitadas
de marketing empresarial ,
encorajando os leitores a “agregar valor ” a suas vidas .
Depois
de redigido um esboço
do que seria meu
livro , guardei o material
por uns dias
para depois o
ler com distanciamento . Esse
é, como se sabe, o grande
teste que todo escritor
faz. Pois bem , a leitura fria e
distanciada foi uma decepção . Meus conselhos soavam
pouco convincentes .
Faltava sinceridade ao que eu dizia. Abhsalão,
por exemplo ,
não se parecia nada
com um
mago medieval .
Estava mais para
personagem de programa
de humor .
Moral
da história : ninguém
escreve bem sobre
aquilo em
que não
acredita. A partir daí passei a respeitar
mais os autores
de autoajuda. Eles podem ser
rasos , medíocres ,
previsíveis, mas se têm sucesso é porque
acreditam no que dizem.
“Não complicar ” significava exaltar sempre o otimismo , a esperança , a alegria
de viver , e sobretudo não estimular a reflexão . Alguém
já disse que
pensar dói; geralmente
quem lê
esses livros
não está a fim
de desvendar em
elucubrações tortuosas seus abismos interiores . Lê-os como
quem vai a um
fast-food do espírito ,
para ali pegar na medida exata sua ração de felicidade .
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