sábado, 12 de novembro de 2016

Conversa desinteressante

     Mal coloca a primeira palavra no papel, ele ouve uma voz:
    -- Finalmente você se decidiu...
    -- Hein?! Se decidiu a quê?
    -- A começar o texto, ora. Faz tempo que eu estou esperando.
    -- Quem é você?
    -- Sou o seu leitor. Vê se capricha para não me decepcionar.
    -- O meu leitor? E o que está fazendo aqui? Espere pelo menos eu terminar. Sua hora vem depois. 
    -- Nada disso. Quero acompanhar o seu trabalho, talvez dar uma força. Afinal, você escreve para mim. Tenho todo o direito de lhe cobrar.   
    -- Cobrar?! Agora eu quero liberdade. Sua presença vai terminar me bloqueando. Dê o fora!
    -- Dar o fora!... Cuidado para não se arrepender do que está dizendo. Você pensa que significa alguma coisa sem mim?
    -- Não seja pretensioso. Tenho liberdade para dizer o que quero, a quem quero e como quero.
    -- Aí é que você se engana. Posso reduzir o que faz a uma insignificância. Posso estragar sua reputação e impedir que outros lhe leiam. E o pior: posso deixar você na mais completa solidão.
    -- Como?
    -- Ignorando os seus escritos. Deixando que fale sozinho.
    -- Bem... sei que você tem esse poder, mas não é por isso que vou lhe aturar. E se me encher muito o saco, posso acabar dispensando-o. Escrevo para mim, e pronto.
    -- Deixe de blefe! Você bem sabe que isso não é possível. Qual o sentido de escrever para si? Quem iria atestar o seu valor (caso você tenha)? Ou afagar a sua vaidade (que seguramente você tem)?
     -- Todo homem tem direito à vaidade se o que faz é bom.  
   -- Mas quem decide sobre a qualidade do que ele faz? Ele próprio? Aí não seria vaidade, seria delírio... Conheço muitos que vivem de fantasiar a própria glória; esses dão pena. Acho que você não é um deles.  
     -- Escute, essa conversa está me impedindo de escrever. Dê o fora e espere o texto ficar pronto. Aí você diz o que quiser.
     -- Mais um blefe! Você está preocupadíssimo com o que eu possa dizer. Por que finge indiferença?
     -- Não posso escrever enquanto você estiver por perto vigiando minhas palavras e avaliando se elas vão lhe agradar ou não. Isso é tirania.
      -- Eu proponho que você me esqueça e faça o que tem que fazer.
    -- Não faço, pronto. Desisti. Assim também deixo você frustrado. Não terá o que ler...
    -- Para mim, tanto faz. Não vou mesmo perder muita coisa. Você está sem assunto.
    -- Assuntos não faltam, ora!
    -- Mentiroso. Está sem assunto, sim. E aposto como vai terminar, por falta do que dizer, contando esta conversa entre nós dois. Como se ela interessasse a alguém!

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O silêncio do inocente