As grandes datas
têm sobretudo um
valor simbólico. É o caso do Ano-Novo,
que em
essência não
muda nada
mas nos
dá a impressão de que
alguma coisa recomeça.
Todo ano a
mais é sempre
um sinal
de envelhecimento, mas insistimos em pensar que um novo tempo nasce na medida em que outro
morre. Em vez
de sucessão, renovação. Na ingênua alegoria
do nosso desejo,
o Ano-Novo aparece como
um bebê rechonchudo e risonho
que vem substituir
um velhinho magro
e decrépito.
Ambos são imagens de nós mesmos. A segunda
corresponde ao nosso eu real; a primeira, à fantasia
com que
julgamos renascer melhores,
sem os velhos
vícios e defeitos.
A cada ano
se renova o ciclo, com
promessas que
não são
cumpridas e projetos que jamais
viram realidade.
Precisamos dessas transições
pomposas para nelas enquadrar
nossos propósitos
de mudança. Qual
a graça em
se deixar de fumar num dia qualquer?
Faz mais efeito
pensar que o abandono do cigarro
vai ocorrer em
2017. E que o Ano-Novo
conhecerá um novo
homem.
Assim como
uns vão deixar
o cigarro, outros
prometem estudar com
afinco para concursos. Ou mudar de profissão. Ou pedir finalmente a namorada em casamento. Mesmo que nada disso
seja feito, este
é o momento de sonhar
“a sério” com a possibilidade.
As disposições mais comuns
dizem respeito aos hábitos
e ao caráter. Quem
não promete a partir
de agora se tornar
mais generoso,
humilde, disciplinado? Quem não vai moderar o egoísmo e desenvolver o senso de solidariedade?
Quem não
se tornará, em 2017, um ser humano
melhor?
Para isso existe a data, e não
adianta reagir com
cinismo a tão
sinceras deliberações. É preciso que vez por outra uma imagem
ideal de nós
mesmos ocupe o lugar
do que somos. Essa ilusão
de aperfeiçoamento e mudança nos anima a
enfrentar o ano
que vem. E, sobretudo, nos reconcilia provisoriamente com nós mesmos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário