Costumávamos nos reunir aos sábados na casa de Ferdinando, um velho amigo da adolescência, para ouvir música e tomar cerveja. Nesses encontros falava-se de política, esportes, antigas badernas, enfim, daquilo que podia animar uma roda composta por amigos e amigas de longa data.
Um
dos frequentadores era Alessandro, que fazia poemas e até já os publicara em
mais de um livro que distribuía com os mais íntimos. Ele aparecia pouco e
quando vinha costumava recitar seus versos. Era um poeta à moda antiga, que no
recitativo fazia questão de adequar o gestual às imagens. Entre uma composição
e outra, enxugava a testa porejada de suor.
Num
dos encontros a que o poeta veio, Ferdinando teve a ideia de chamar Bobô. Esse era
o apelido de uma colega já entrada em anos que morava com a mãe umas três casas
distante da dele. Bobô era solteira (solteirona, como se dizia) e o seu estado
civil parecia incomodar alguns, que vez por outra tentavam arranjar pretendentes
para ela.
Tímida
e de óculos, a moça tinha o aspecto senhorial de quem já havia aceitado a sua condição.
Acostumara-se a cuidar da mãe e parecia preencher a vida com isso. Aos domingos
iam as duas à igreja, vestidas com roupas sóbrias e mantilhas escuras.
A
ideia do anfitrião era aproximá-la de Alessandro, que nesse dia veio com um
amigo que não conhecíamos. Ferdinando sabia que Bobô tinha pelo poeta algum
interesse e queria ver se os dois iniciavam uma relação que terminasse em
casamento. Pediu que um de nós fosse chamar
a moça e, não sei bem por quê, designou-me para fazer isso. Fui sem hesitar, pois
simpatizava com ela e queria muito que tivesse alguém quando a mãe lhe
faltasse.
Expliquei-lhe
que a turma estava reunida na casa de Ferdinando e que lá também se encontrava
o poeta. Aceitou o convite e só pediu um tempinho para se arrumar. Voltei satisfeito
pelo dever cumprido, e ficamos esperando. Pouco depois ela chegou, meio
desconfiada, olhando com um ar acanhado os presentes.
–
Lembra-se de Alessandro? – perguntou-lhe o dono da casa.
–
Claro! – respondeu meio sem jeito, estendendo-lhe a mão. Ainda suado devido à recitação
do último poema, Alessandro retribuiu com um “Encantado”. Depois apresentou o
amigo, que com um lenço lhe enxugava a testa.
A
conversa seguia ruidosa e risonha, como é próprio desses encontros. Quietinha
no seu canto, Bobô vez por outra olhava para o poeta, cujo rosto estava um
pouco avermelhado devido à cerveja. Ferdinando perguntou se ele trabalhava num
novo livro e quais eram os planos para o futuro. Por acaso pretendia se casar? Afinal
era um solitário e, como já dissera o velho Machado, sempre chega o dia em que a
solidão cansa...
Alessandro
fez uma pausa antes de responder. Levou nisso
cerca de meio minuto, como se avaliasse o efeito da resposta. Então se levantou
e, com a solenidade que o álcool lhe permitia, dirigiu-se a todos:
–
Pessoal, quero fazer um anúncio importante.
O grupo silenciou, curioso por saber de que se
tratava.
–
Vou me casar.
O
anfitrião ficou surpreso e pareceu um tanto decepcionado, mas logo reagiu:
–
Isso merece um brinde! Pode-se saber quem é a felizarda?
–
Na verdade, é “um felizardo” – consertou, apontando o amigo que viera com ele. O
outro se levantou e, com o ar de quem acabara de receber um elogio, dirigiu ao
grupo um discreto aceno.
O
dono da casa e mais alguns presentes olharam para Bobô, que sorriu e baixou os
olhos. Pouco depois alegou que precisava sair, tinha ainda que dar à mãe dois
remédios naquela noite. O pessoal disse que entendia e deixou-a ir sem
protestos. Para desanuviar o clima, Ferdinando pediu ao poeta que dissesse outros
versos.
–
Aquele que você fez comemorando os dois anos do nosso namoro – sugeriu o futuro
marido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário