O
tempo é um dos maiores enigmas humanos. Muitos já tentaram decifrá-lo, mas, ou
não tiveram suficientemente tempo para isso, ou desistiram pela complexidade do
tema. A hipótese mais viável é a segunda, pois quem se dispõe a meditar sobre a
passagem do tempo não está ocupado com outras coisas e pode se dedicar com
muita calma a isso (alguém já disse que, sem ócio, não haveria filosofia nem
chá dançante).
O
que mais nos angustia no tempo é o seu fluir interminável. Se você faz alguma
coisa errada, não consegue voltar atrás. O ideal seria que retrocedêssemos no
relógio e conseguíssemos apagar o conteúdo existencial a ela associado. Mas a
desvantagem disso é que não aprenderíamos com a experiência, pois ela é feita
de erros e perda de tempo. No fim, quando você já aprendeu tudo (até a ler
manuais de instrução), não há mais como colocar o aprendizado em prática.
Henri
Bergson distingue tempo de duração. O primeiro diz respeito à cronologia; o
segundo, à percepção subjetiva que temos do fluir cronológico. Isso é o que faz
um evento “demorar mais" do que outro, embora ambos tenham a mesma
extensão. Essa diferença perceptiva relaciona-se, freudianamente, com a
sensação de prazer ou desprazer. O que é bom “passa rápido”; o que é ruim...
“custa a passar”.
Suponha
que você tenha cinco minutos para assistir a uma aula de trigonometria e os
mesmos cinco para estar com a namorada na praia – os dois sozinhos, sob a luar,
estendidos na areia e sem nem um siri para atrapalhar. O que vai passar mais
rápido? Estar com a namorada, claro. Se você acha que é a aula, sofre de algum
distúrbio psicológico ou tem interesse pela professora.
Tem
gente que insiste em ignorar a passagem do tempo e faz isso cinicamente, rindo,
sem nem ter o cuidado de esconder a “dentadura”. Outros pintam o cabelo mesmo
que até agora não tenha aparecido um produto que dê ao tingimento uma cor
natural; o resultado é aquele preto ou marrom fechado que delata o ingênuo
propósito de quem quer parecer mais novo. Não adianta tentar fingir que o tempo
não passa, porque o corpo atesta o contrário. Rugas, estrias, gorduras nos
braços e no abdômen acabam revelando a idade que se tem.
Isso
não impede, claro, que a pessoa seja espiritualmente jovem e até se dê a
excessos participando de grupos da terceira idade (uma amiga minha fraturou a
bacia tentando aprender a dançar valsa numa das reuniões). O importante é que
tais excessos sejam antecedidos de exames médicos e, dentro do possível,
acompanhados por um cardiologista. Mas é bom primeiro saber quanto ele vai
cobrar, pois a medida poderá surtir o efeito oposto e, ao receber a conta, o
paciente levar um susto e morrer do coração.
Uma
das nossas angústias é “matar o tempo” (ao redigir esta crônica, por exemplo,
não faço outra coisa), e para isso muitos se submetem a atividades humilhantes,
como jogar porrinha ou assistir mais de dez vezes ao mesmo filme na sessão da
tarde. “Matar o tempo” é esquecê-lo, e só se dispõe a isso quem não tem
mesmo o que fazer – daí os livros de autoajuda aconselharem a
pessoa a sempre se ocupar com alguma coisa. Você
pode seguir esse conselho rasgando a maioria deles, o
que lhe tomará um tempo enorme.
Dizem
que não suportamos pensar no tempo porque nos sentimos insignificantes diante
do infinito. Conversa! No fundo ninguém dá a mínima bola para o infinito, pois
sabe que jamais chegará lá. O que nos angustia é mesmo o efêmero, o escoar
ininterrupto de tudo. Se digo “ai”, esse “ai” já passou, e se eu quisesse
recuperá-lo não conseguiria dizendo “ai” de novo. Este outro tem o mesmo som e
as mesmas letras, mas já não é o primeiro (o que também mostra como a linguagem
pode ser enganosa). Segundo Heráclito, “ninguém atravessa duas vezes as águas
do mesmo rio” – e acrescento: sobretudo se na primeira foi perseguido por um
jacaré.
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