sábado, 3 de janeiro de 2009

Enigma de Natal

Nunca fui precoce, por isso acreditei em Papai Noel até o dia em que me disseram a verdade. Invejo quem desconfia cedo de que ele não existe, é uma invenção dos adultos para iludir as crianças. Ao contrário desses espíritos atilados e céticos, dei crédito absoluto a essa fantasia. E fiquei desapontado quando, numa noite de Natal qualquer, desvendaram-me o embuste.
Quando acordava no dia 25 e via o presente ao lado da cama, eu ficava me perguntando como o Bom Velhinho entrara no quarto. Na casa não havia chaminé, nem sótão, nem clarabóia por onde ele se metesse enquanto a rena planava lá fora, envolta num halo azul. Devia ter entrado mesmo pela porta da frente, mas quem lhe dera a chave?
O presente ao lado da cama era a indicação de um mistério. Mas o presente era a “coisa”, o objeto com que eu brincaria dali por diante como o faria com outro presente qualquer. O importante era a origem, o trajeto por ele percorrido até chegar ao meu quarto. Eu queria desvendar o percurso pelo qual esse mistério se fizera presença concreta, materializada num revólver, num jogo ou num carrinho de corridas.
Nada me levava a desconfiar de que Papai Noel pudesse não existir. A busca pelos detalhes não tinha por objetivo contestar a lenda, mas robustecê-la com os apetrechos da razão – uma incipiente razão infantil. Eu tinha, no fundo, uma grande necessidade de acreditar. E a lógica da crença não é a de São Tomé. Pelo contrário: é crer para ver. Eu acreditava, por isso via, mas queria uma visão sem sombras .
Antes que essas coisas se revolvessem na minha cabeça, minha mãe revelou-me que o Bom Velhinho não existia. O curioso é que me senti dividido quando soube a verdade. Por um lado, não era mais preciso imaginar detalhes para dar verossimilhança à crença; isso trazia uma espécie de alívio. Por outro, o sentimento de ter sido logrado tirava um pouco da beleza do Natal.
“Se Papai Noel não existe, por que me enganaram?” Ruminei por um tempo essa pergunta, com raiva não tanto dos que promoveram a farsa, mas de mim mesmo. Essa é a reação que temos quando nos sabemos ludibriados. Depois, aos poucos, fui-me consolando graças a um sentimento novo: a sensação de superioridade perante os outros irmãos. Como não sabiam a verdade, eles faziam ingenuamente os pedidos. E na manhã do dia 25 abriam triunfantes os pacotes. Eu os olhava com uma ponta de piedade.
Fingia que abria o meu pacote e via o presente pela primeira vez. Mas já brincara com ele na noite anterior, entre os adultos, pois o conhecimento do segredo me dera também o direito de dormir tarde. De que valia dormir cedo na noite de Natal se não era para esperar o Bom Velhinho?

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