Meu pai se
chamava Simplício Fernandes da Silva. Há
pessoas cujos nomes se parecem com o que elas são. Não era o caso do meu pai,
que estava longe de ser simples. Chamar ele de Simplício não deixava de ser
irônico. O velho era implicante, ranzinza, e se zangava por motivos tolos.
Um de seus
acessos de cólera foi quando minha mãe trocou a mantilha preta e já muito velha
por uma roxa. Nunca entendi o motivo, pois tanto o preto como o roxo se ajustam
ao ambiente da igreja. São cores graves, solenes, mesmo tristes. Mas ele não
gostou da troca; ficou furioso e terminou forçando minha mãe a comprar outra
mantilha escura.
O velho não
suportava quando falavam seu nome completo. Preferia que o chamassem apenas de
Simplício e se gabava de nunca ter tido apelidos. Eu, ao contrário, tinha
vários apelidos. Essa era uma entre as muitas características que nos tornavam
diferentes um do outro.
Ele gostava de
cerveja, mas não bebia em bares com os amigos. Preferia fazer isso sozinho, em
casa. “Derrubava” de oito a 10 garrafas, ouvindo canções de Nelson Gonçalves e
valsas antigas. Uma delas, se bem me lembro, falava de um pintassilgo que voava
entre as árvores de um pomar... A música o comovia. Nesses momentos ele ficava
nostálgico, chegava a chorar, mas não compartilhava suas lembranças com
ninguém. Era estranho ver o velho chorando, ele que se mostrava tão duro no dia
a dia.
Usava
suspensórios e cinturão, meu pai. O
conjunto não combinava, pois os suspensórios eram de plástico, e o cinturão, de
um couro velho. Velho e meio seco, mas não a ponto de perder a rigidez. Os
suspensórios não aderiam bem ao corpo e se ligavam mal às calças. Soavam
anacrônicos, mas pareciam lhe dar segurança.
Uma noite eu cheguei em casa, e ele estava dormindo na poltrona da sala.
Tinha bebido muito, via-se pelas garrafas em volta do centro. Passei, olhei
aquilo e fui para o meu quarto. Quando ia me deitar, ele entrou, esbravejando:
-- Por que você falou “Simplício
Fernandes da Silva”?
-- Eu?!
-- Você! -- e foi tirando o cinturão.
Estava vermelho, da raiva e do
álcool, e começou a me bater. Bateu forte, estimulado pela embriaguez. Eu
aguentava os golpes encurvado, tentando proteger as costas e as pernas com as
mãos.
De repente as calças dele começaram a
cair, mas ainda assim o velho continuou batendo. A roupa descendo me deu
vontade de rir. Sentindo que as calças caíam, ele passou a bater mais
forte. Depois, cansado, parou e foi
embora. Meu corpo doía e mal pude me deitar. Passei da vontade de rir ao choro,
que também não saiu fácil. Veio abafado. Eu chorava pela injustiça, pois não
falara “Simplício Fernandes da Silva”. Ele devia ter sonhado e, no sonho,
ouvido o nome. Terminou ligando o nome à minha passagem. Só podia ser isso.
O
sentimento de injustiça persistiu por muitos anos. Foi bem maior do que
o pequeno prazer de ver as calças caindo, mostrando as cuecas, o ventre gordo.
Ou talvez inchado por causa da cerveja. O que houve naquela noite ainda hoje me
intriga -- talvez porque ele nunca tivesse batido em mim embriagado. Não sei se
isso tornou o ato mais ou menos grave. Sei que ainda hoje sinto o cheiro do
álcool associado à ardência das lapadas.
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