sábado, 6 de janeiro de 2018

Cony, um militante da liberdade

        Morreu Carlos Heitor Cony. Descobri-o quando era adolescente, um pouco por influência do meu pai, que gostava muito de “Informação ao crucificado”. O “velho” João Viana se identificava com a crise vocacional do narrador, que passa anos no seminário e depois o abandona por ver que não nasceu para ser padre. Esse foi o drama de muitos jovens nascidos nas primeiras décadas do século passado. O resultado era um conflito interior que gerava muito sofrimento. O fato de largar a batina não impedia a persistência de um resíduo nostálgico muito difícil de apagar. Cony tinha essa nostalgia (que eu percebia também em meu pai).   
Muitos dos textos de Cony relatam os momentos em que ele costumava percorrer os corredores silenciosos e solenes do seminário em busca da “verdade”; em busca de si mesmo (essa procura me lembrava a do personagem Lelento, de “O nariz do morto”, livro autobiográfico de Antonio Carlos Villaça sobre o qual fiz a minha dissertação de Mestrado). O jovem seminarista sentia-se “puro” e almejava o céu. Muito desse sentimento de pureza era estimulado pelo fulgor da liturgia e pela altissonância do latim, que parecia facilitar a elevação do espírito a Deus.
Ao deixar o seminário Cony foi trabalhar em jornais, onde além de crônicas escrevia artigos que denunciavam os malfeitos dos poderosos. É conhecida a sua atuação contra a ditadura, pela qual foi preso mais de uma vez. Ele desconfiava de partidos políticos e criticava os desmandos dos poderosos, fossem de direita ou de esquerda. Era sobretudo um militante da liberdade.
Sempre o considerei um dos grandes cronistas do Brasil, ao lado de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Nélson Rodrigues, Carlinhos Oliveira e outros. Como cronista ele se fazia personagem, revelando as fragilidades do homem maduro que às vezes se sentia criança. Tinha uma sólida formação clássica (que deveu, em grande parte, ao seminário) e grande apego aos escritores existencialistas. Desconfio que veio de Sartre, Camus e outros seu compromisso com a liberdade, condição essencial para alguém ser um livre-pensador. Cony era, por isso vai fazer falta.

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O silêncio do inocente