Morreu Carlos Heitor Cony. Descobri-o quando era adolescente,
um pouco por influência do meu pai, que gostava muito de “Informação ao
crucificado”. O “velho” João Viana se identificava com a crise vocacional do
narrador, que passa anos no seminário e depois o abandona por ver que não
nasceu para ser padre. Esse foi o drama de muitos jovens nascidos nas primeiras
décadas do século passado. O resultado era um conflito interior que gerava muito
sofrimento. O fato de largar a batina não impedia a persistência de um resíduo
nostálgico muito difícil de apagar. Cony tinha essa nostalgia (que eu percebia também
em meu pai).
Muitos dos textos de
Cony relatam os momentos em que ele costumava percorrer os corredores silenciosos
e solenes do seminário em busca da “verdade”; em busca de si mesmo (essa
procura me lembrava a do personagem Lelento, de “O nariz do morto”, livro
autobiográfico de Antonio Carlos Villaça sobre o qual fiz a minha dissertação
de Mestrado). O jovem seminarista sentia-se “puro” e almejava o céu. Muito
desse sentimento de pureza era estimulado pelo fulgor da liturgia e pela altissonância
do latim, que parecia facilitar a elevação do espírito a Deus.
Ao deixar o seminário Cony
foi trabalhar em jornais, onde além de crônicas escrevia artigos que denunciavam
os malfeitos dos poderosos. É conhecida a sua atuação contra a ditadura, pela
qual foi preso mais de uma vez. Ele desconfiava de partidos políticos e criticava
os desmandos dos poderosos, fossem de direita ou de esquerda. Era sobretudo um
militante da liberdade.
Sempre o considerei um
dos grandes cronistas do Brasil, ao lado de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos,
Nélson Rodrigues, Carlinhos Oliveira e outros. Como cronista ele se fazia
personagem, revelando as fragilidades do homem maduro que às vezes se sentia criança.
Tinha uma sólida formação clássica (que deveu, em grande parte, ao seminário) e
grande apego aos escritores existencialistas. Desconfio que veio de Sartre,
Camus e outros seu compromisso com a liberdade, condição essencial para alguém
ser um livre-pensador. Cony era, por isso vai fazer falta.
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