Nem todos ainda conseguiram engolir o slogan da Skol. O uso
do masculino em
“A cerveja que
desce redondo” continua entrando quadrado
na cachola até de estudiosos da língua.
Um deles publicou há algum tempo um artigo defendendo que o adjetivo se flexione no feminino. Acha que “redondo”
não se refere ao verbo “descer”, mas sim ao estado do líquido. Ele justifica seu ponto de vista com o argumento
de que “a redondeza é a da cerveja que, líquida, se adapta ao recipiente que a
contém e acompanha a anatomia circular da garganta”.
A preferência pelo masculino envolve
os níveis morfológico e semântico da língua.
Do ponto de vista
morfológico, refere-se à possibilidade de se transformar
adjetivo em advérbio. Esse tipo de mudança
é comum; constitui um
caso de derivação
imprópria, ou
conversão.
Por exemplo: se
digo “Ele trabalha sério”, o termo “sério” pode
não traduzir o estado da pessoa, e sim o modo
como ela
trabalha (seriamente). Nesse caso “sério” é
um advérbio, por isso
não concorda com
o sujeito.
A fragilidade
da interpretação do estudioso está no aspecto semântico; decorre de ele
dar um sentido
estritamente físico
ao termo “redondo”.
Se a redondeza se refere ao estado da cerveja,
que se adapta ao recipiente
que a contém, tem-se a seguinte situação:
caso o recipiente
seja quadrado, a cerveja também adquirirá
essa configuração.
Além disso, a ingestão de um
líquido não se
limita ao “espaço circular
da garganta”, ocasião
em que, segundo
o autor, ele se arredonda. Transposto esse limite, o líquido
assumirá formas variadas a fim de se amoldar a outras partes do tubo digestivo.
O maior problema da leitura
feita pelo especialista é nivelar
o produto anunciado ao de outras marcas. Se a vantagem está na redondeza física, em que a Skol
se distinguiria da Brahma, da Schincariol ou
da Antarctica? Qual o sentido de se criar um slogan que apregoa uma virtude encontrada também nos concorrentes?
Na leitura de “redondo” como advérbio é que
está o valor retórico
da mensagem. Todas as cervejas são
líquidas, descem fisicamente igual – mas só a Skol
desce “redondo”. As outras, por antítese,
descem “quadrado”. Essa oposição só ganha sentido quando saímos do plano
físico, ou
literal, para
o metafórico. A “redondo”
associa-se a ideia de maciez, fluidez,
bem-estar; “quadrado” liga-se a adstringência e desconforto.
Numa das propagandas
da Skol veiculadas pela TV, deu para perceber a oposição figurada
desses atributos (e só
no plano figurado
é que eles
podem se caracterizar plenamente).
A tela mostrava a oposição
entre uma setinha móvel,
circular, amaciando um
tubo digestivo,
e um quadrado
áspero, pontiagudo, que o feria.
Em resumo: o slogan está linguisticamente correto. Seus criadores souberam, por
meio da mudança de classe morfológica, criar
um sugestivo
efeito semântico a fim de convencer o
leitor a adquirir o produto. Um brinde a eles!
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