domingo, 25 de outubro de 2015

Dez conselhos a quem quer ensinar redação

Não ensine como fazer; mande os alunos fazerem. Ao corrigir o que escreveram, eles entenderão como deve ser feito.
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Não corrija uma oração, um período, um parágrafo sem explicar o motivo da correção e discutir com a turma uma melhor alternativa. Se o aluno não entender por que errou, ele tenderá a repetir o erro.
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Pense muito antes de dar um 10. Redação que tem 10 é, no mais das vezes, redação mal corrigida.
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Procure mostrar a importância do respeito à norma culta. Erros de gramática ou ortografia são facilmente notados. Mesmo que não prejudiquem a “comunicação”, diminuem a credibilidade de quem escreve.
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Procure mostrar aos alunos a diferença entre redigir e escrever (no sentido literário).  Um redator se faz, um escritor nasce. Logo, a boa redação está ao alcance de todos. Só depende de leitura, estímulo e muito, muito treino.
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Estimule a leitura de ficção e poesia. O contato com os textos literários amplia a sensibilidade, revela as inúmeras possibilidades da língua e aumenta a capacidade interpretativa.
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Procure ressaltar a diferença entre escrever certo e escrever bem. A gramática não assegura a expressividade nem a boa organização textual. Tente mostrar isso comparando textos apenas “certinhos” com outros nos quais prevalecem a invenção e a expressividade.
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Declare guerra ao lugar-comum e à imprecisão vocabular, motivando os alunos a ir ao dicionário. O lugar-comum anula a personalidade do redator, e a imprecisão vocabular compromete o rigor do pensamento. Usar os termos adequados é um dos segredos de redigir bem.
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Escolha com cuidado os temas a serem desenvolvidos. Lembre-se de que cada tema é pretexto para leituras sobre a atualidade e um meio de aumentar o acervo de informações do aluno. Sem informações suficientes, é impossível apresentar bons argumentos.     
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       Leia em voz alta algumas das redações corrigidas, destacando-lhes os aspectos positivos e os negativos. Os alunos têm curiosidade sobre os textos uns dos outros e encaram como saudáveis desafios as produções bem escritas, que testemunham a evolução dos colegas.

domingo, 4 de outubro de 2015

Do baú (7)

 Escritor é alguém que tem a linguagem como salvação, mas sem a ingenuidade de querer que ela seja mais do que linguagem. Ele sabe que a antítese da vida é a morte, e a antítese do nada é o sentido. Sua tarefa é afirmar o sentido contra o nada.
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          Dizem que o mundo é cheio de boas intenções. Discordo. No mundo proliferam as más intenções. O que nos salva é que só uma parte delas se realiza.
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           Evite viajar em grupo para não perder amigos. As viagens levam à intimidade, e com ela vem a quebra daquele formalismo mínimo que assegura a boa convivência. Quando se juntam, as pessoas tendem a ser mesmo o que são -- e os outros não lidam bem com isso.
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É difícil separar no homem o que é naturalidade do que é artifício. Quando choramos, metade é pena, metade é cena.  Alguém dirá: mas diante do espelho, contemplando a si mesmo, ele não é sincero? Arrisco a dizer que não; também aí há disfarce.
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Não tem sentido acreditar no que está comprovado. A crença é sempre uma aposta, um tiro no escuro. O que alimenta a crença em “outro mundo”, por exemplo, é justamente a falta de provas de que ele existe.  
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A velhice é por natureza amiga da virtude. O homem só renuncia a certos pecados quando já não está em idade de cometê-los. Por outro lado, um dos maiores pecados da velhice é o ressentimento.
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      Temos uma cultura da corrupção e da impunidade. Um dos desafios que se coloca aos professores é como abordar isso na escola sem influenciar os alunos.    
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       A linguagem é o nosso confessionário. Falar é confortar-se; liberta e consola. Tudo que se subtrai ao desejo se compensa na linguagem. Por isso as pessoas falam, rezam, escrevem tanto.

domingo, 20 de setembro de 2015

Seleção de frases (40)

        Encontrei a fórmula de ser feliz sem dinheiro, mas não adiantou. Não tive como comprar os ingredientes.
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Da crise atual, só escapam os motéis. É um mercado sempre aquecido.
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Semana passada, quando recebi a conta da energia, tomei um choque.
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      A velhice chega quando se lamenta o tempo que resta, e não o tempo que foi.
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A maturidade é o momento em que o indivíduo tem a exata percepção do que ainda pode fazer na vida. E quase sempre não é muita coisa. 
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          Político só não mente quando fala mal do adversário.
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O humor é o algoz da presunção e da imbecilidade.
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Segundo Sartre, o inferno são os outros. Mas existem aqueles para quem o inferno são eles mesmos.
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         Respeito a opinião dos outros, desde que ela não contrarie as minhas.
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        Cada vez mais me convenço de que a honestidade é um mau negócio.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Para Luiz Guilherme, meu primeiro neto

Um riso todo feito de doçura
e um olhar de surpresa, que comove.     
Alegra-me ver no berço a criatura
que estende ao futuro a minha prole.   

Filho se faz, mas um neto se ganha.
É o bônus de amor que, merecendo   
ou não, como um presente alguém nos manda    
(aurora a quem já está anoitecendo).

A vida, pois, lhe seja longa e boa
-- deseja este pai açucarado
que ainda não refeito ri à toa

e com o coração acelerado  
interminavelmente o abençoa   
pelo muito que o tinha esperado.

sábado, 12 de setembro de 2015

Cantiga para o menino morto

           Não é concha, nem sargaço,
             nem flores de Iemanjá.
             É o corpo de um menino
             que veio lá do alto mar.

             É o malogro de um sonho.   
             O alento de esperança     
             que as águas sufocaram     
             junto com aquela criança.
  
            Os pais fugiam da guerra
            E ali agora ele jaz
            todo vestido, no sono
            de uma indesejável paz.  

            A paz da vida cortada
            bem antes de florescer.  
            Do futuro que se nega    
            a quem queria viver.                
  
            No colchão da praia erma
            pousa o corpo de Aylan
            como um brinquedo quebrado                             
            -- sem ontem, sem amanhã.
            
           A história desse menino
           (disso não há duvidar)    
           é das histórias mais tristes     
            que se contam sobre o mar.    

domingo, 16 de agosto de 2015

Também me lembro (Memórias campinenses à maneira de Braulio Tavares)

          Eu me lembro da missa das 19h na catedral, aonde eu ia todo domingo com a minha mãe. Nesse tempo eu rezava muito e pedia a Deus que protegesse as pessoas da família. Se assistisse à missa com atenção, e comungasse, eu poderia alcançar essa graça. Eu me lembro de que na volta passávamos pela Maciel Pinheiro, onde circulavam muitos rapazes e moças – alguns namorando ou se preparando para isso. Meu sonho era crescer logo para ser um deles.
Eu me lembro da primeira crise de asma, que ocorreu após uma viagem de trem na qual respirei muita poeira. De noite veio o “puxado”, como chamavam, e tive que ir ao hospital tomar nebulização e Coramina Efedrina. Eu me lembro de que certa vez meu pai teve de chamar um táxi, que rodou pela cidade enquanto eu, com a cabeça fora da janela, buscava aspirar o ar frio da madrugada.    
Eu me lembro de assistir à gravação de um capítulo d’As aventuras do Flama. O programa ia ar no momento em que era gravado, e para fazer o som de tiros, brigas ou corridas de cavalos os atores usavam os pés ou batiam em objetos. Eu me lembro de que o locutor que narrava a história não entendeu o script e confundiu o nome do Dr. Satã. Disse outro nome, esquisito, que me deu uma enorme vontade de rir. O elenco, falando baixinho e com gestos, procurava lhe indicar a pronúncia correta.
         Eu me lembro de ir sozinho até quase ao fim da Rua da Floresta, onde morava a minha primeira professora. Chamava-se Edna e dava aulas particulares. Eu não gostava muito porque tinha dificuldades com matemática, mas valia o passeio.  Eu me lembro de que no caminho passava pela casa de Seu Tiago, pai de Céu e Marli, que eram professoras, amigas de meus pais, e me chamavam de Guego (“Nego” era o apelido em família). Eu me lembro de que nessa rua levei um dos maiores sustos da minha vida; ao voltar da aula fui encurralado por Baleia, uma doida que chamava palavrões e corria atrás dos meninos que gritavam o seu nome. Eu nunca tinha feito isso, mas ela cismou de me seguir. Depois de correr muito consegui chegar em casa; estava branco, o coração acelerado. Passei um bom tempo sem querer ir à rua.   
         Eu me lembro das aulas de acordeom com Valdeci Colaço, que morava pouco depois da sede do Campinense Clube (eu passava por ali de má vontade, pois era trezeano). Carregar o instrumento era mais difícil do que tocá-lo. Com o tempo aprendi uma valsinha, que começava com “Dois corações...”, e os acordes de “Cai, cai, balão”. Eu me lembro de que me inscreveram para tocar a valsa no Clube Papai Noel, um programa de auditório na Rádio Borborema. Resisti o quanto pude, mas terminei subindo ao palco. Mal conseguia encarar a plateia. Acabei me saindo bem e até fui aplaudido.   
         Eu me lembro das caminhadas pela Getúlio Vargas rumo ao Colégio Pio XI. Gostava de passear pelos corredores e via quando um funcionário tocava o sino indicando a hora do recreio. Então eu corria para a cantina, onde uma negra chamada Lídia atendia os alunos e me deixava entrar para comer e beber à vontade. Era um privilégio de sobrinho do diretor. Eu me lembro de uma noite em que fui acordado, no sobradinho da rua Vidal de Negreiros, pelos gritos de “Queremos João Viana!”. Eram alunos que tinham entrado em greve porque o prefeito demitira meu pai de todos os seus empregos. Foi uma época difícil, em que as costuras da minha mãe garantiram a feira.

domingo, 9 de agosto de 2015

Promessa

Terminado o almoço ele se aproxima do pai, que está quase adormecendo no sofá.  
-- Pai!
-- Hum.
-- A gente pode conversar um pouco?  
-- Hum.
-- “Hum” quer dizer que pode ou não? 
-- Pode. Mas fale logo, que eu quero tirar minha soneca.
         --Tem coisas que eu gosto em você... no senhor, e tem outras que eu não gosto.
-- Por exemplo...
-- Gosto quando me leva pro cinema ou compra gibis pra mim. Não gosto quando me bota de castigo ou não me deixa jogar futebol com a turma. E sobretudo não gosto quando o senhor briga com a mamãe, como agora.
 -- Eu não brigo com ela. Ela é que briga comigo.  
 -- Dá no mesmo. Fico triste de ver os dois discutindo pelos mesmos motivos. E quase sempre ela está com a razão. 
-- Você acha? Às vezes sua mãe exagera...
-- Não é exagero. É cuidado. Ela pensa muito na casa, na família, em nós dois.
-- E eu não penso?! Você é muito pequeno para entender isso. Agora me deixe dormir.
-- Só se o senhor prometer que não briga mais com ela.
-- Por que essa conversa agora?
-- Porque amanhã é seu dia, eu vou ter que lhe dar um presente e não quero fazer isso de má vontade. 
-- “Vai ter”?
-- Não se preocupe. O presente já está comprado e vou lhe dar de qualquer maneira. Mas a gente precisava, antes, ter essa conversa. De homem para homem.
-- De menino para homem, você quer dizer.
-- Está vendo? O senhor não me respeita. “Menino”! O que tem demais ser menino?
-- Nada, contanto que não se meta em assuntos de adulto. Com o tempo você vai compreender que brigas de casal não são o fim do mundo. Acontecem em todo casamento. Isso não quer dizer que os dois não se gostem. Pergunte à sua mãe pra ver se não é verdade. Agora vá, que já está passando a hora de tirar o meu cochilo.
Ele se afasta e volta depois de alguns minutos.
-- Pai...
-- Que é agora?!
       -- Perguntei a ela. Brigas de casal acontecem, mesmo, em todo casamento.
-- Eu não lhe disse?
-- Mas não precisam durar tanto tempo. Por que não aproveita, que amanhã é seu dia, e faz as pazes com ela?  
-- Isso deve partir de sua mãe.
-- Não acho. Esse tipo de decisão deve partir do pai, que é o chefe. Ele é quem toma a iniciativa.  
-- Esta bem. Vou pensar.    
            Era uma promessa, mas o menino ficou contente. Tudo indicava que teria um ótimo Dia dos Pais. 

A magia de um humor fino